Monday, November 15, 2010

Arriscar é: 40+2

à minha Avó Maria, com 98 anos, que gosta de tudo "apaladado" e nunca tem fastio...
Um dia percebi que dos cinco sentidos, o do paladar é dos que permanecem até mais tarde. Saborear a comida é, muitas vezes, o que resta. Devemos por isso pensar duas vezes quando queremos privar os mais idosos desses pequenos gostos que ainda mantêm.
Das memórias mais antigas da minha vida, ligada aos gostos e à comida, há um episódio dos tempos do 25 de Abril de 1974. Na minha casa, em Alcobaça, estava a minha Avó de Torres Vedras e lá perto havia um comício do partido comunista que gerou muita agitação na rua com tiros e muita confrontação. O jantar era arroz de tomate com peixe frito. Recordo a minha Avó, depois de comer a sua refeição a comer o meu jantar para que os meus pais não me ralhassem já que a fome era pouca e o menu não ajudava em nada. Como é a vida! Há dias comi um arroz de tomate com filetes de peixe num restaurante no Bairro Alto que estava divinal. Não deixei de lembrar aquela remota noite do Abril revolto.
Uma das constatações mais interessantes é que a vida vai evoluindo entre gostos e sabores que, com a idade, se aprofundam. O saborear tudo mais extensamente é uma conquista da idade. Com o tempo aprendi também a dizer “ainda não” quando me refiro aos gostos que ainda não aprecio. Este ano, por exemplo, comentei que ainda não aprendi a gostar de pimentos. Lá virá o dia!
Na passagem de mais um aniversário resolvi partilhar com os meus amigos alguns dos meus paladares favoritos e muitos dos sabores que foram acompanhando a minha vida.
Não será para me dar a conhecer mas, algo que pode ser exemplar. Acredito que cada um ao ler este texto poderá ter vontade de recordar o seu próprio percurso. Este meu recordar traz-me vida, fortalece-me o presente e torna-me mais atento ao futuro.
Por este exercício de memória passam dias, locais, cores, cheiros e principalmente pessoas. Algumas ficarão de fora sem intenção de as excluir mas, aceitem o todo como um bocadinho de gratidão pelo pão de cada dia que Deus me fez chegar por tantos que cruzaram e cruzam o meu caminho. É muito bom lembrarmos e estarmos agradecidos a Deus e às pessoas! Aliás tudo na nossa vida tem mais gosto se for partilhado daí que ligue muitos destes alimentos a pessoas, a momentos e a ambientes. Desde os tempos de infância em casa dos Pais em Alcobaça recordo:
Em criança, as gemadas eram um alimento controverso. Devia comê-las pois era muito magro e elas davam força, mas além de doces eram por vezes enjoativas…
O Super Máxi do Avô Carlos Ginja é uma das histórias mais queridas e caricatas da minha vida. Pois é, à quinta-feira o meu Avô vinha à Vila de Alcobaça. Chegava com a cara muito transpirada pois subia a ladeira do meu bairro todo engravatado quer fizesse frio ou calor. Trazia no bolso de um lado do casaco o jornal Primeiro de Janeiro e do outro um gelado Super Máxi que chegava a mim cheio de boa intenção mas quase todo derretido. Pode-se dizer que era o “super máximo”, o Avô, claro!
As misturadas da avó Maria é um daqueles manjares que não apreciamos na altura e agora quem nos dera. Um destes dias recordei um sabor idêntico na feira Medieval de Aljubarrota. Teve graça. A canja de galinha com miúdos era o culminar de várias peripécias. Apanhar a galinha, matá-la, sangrá-la, escaldá-la, depená-la, cozinhá-la e comê-la. A Cachola era muito parecida em todo o ritual. Eram as entranhas do porco cozinhadas no dia da matança, em tacho de barro donde todos comiam com um garfo. Ainda hoje gosto de comer do mesmo tacho, o que vem desse tempo. Dá-me um sentido familiar e comunitário que faz muito sentido para mim. Não podia faltar o arroz doce que ninguém faz como a Avó Maria. Recordarei sempre com muito carinho a sua confecção, nestes últimos tempos, já com o meu irmão Nuno como “ajudante técnico”.
Bolos de ferradura e Pasteis de feijão eram iguarias da Avó de Torres que lhe davam tanta alegria dar como a nós receber.
O Palmier da Pastelaria Saraiva ou de outro sítio qualquer era o meu bolo de pastelaria favorito. Daquelas coisas que se comiam devagar.
Bolachas de água e sal do Zé da Loja, compradas a peso, lembram um gosto muito especial entre os vários que herdei do meu Pai.
Chupa-chupa do Petroleiro que vinha ao nosso bairro todos os sábados à tarde. A carrinha das mercearias onde havia um pouco de tudo tinha um cheiro muito característico.
Bolachas Maria com manteiga eram um dos lanches mais requintados da infância. Aproveitávamos para molhar as bolachas no leite ou no chá.
 Laranjada e gasosa da Rical faziam as delícias das refeições quando era criança. Um pequeno luxo ao domingo quando este dia se distinguia, até no menu, dos outros dias.
Puré de batata, cozido à Portuguesa e coelho guisado estão entre os vários pratos que ninguém faz como a minha mãe. É assim com todos nós! Verdade?
Molotov e rissóis da tia Maximina que era irmã do avô Carlos e eram confeccionados em nossa casa paterna quando tínhamos visitas importantes. Que saudades.
Caracóis apanhados e cozinhados pelo meu Pai são um pitéu de época fantástico. E no dia a seguir ainda sabem melhor. Faço-me entender?
Os suspiros de Alfeizerão quando era criança na “volta dos 45” entre Alcobaça, Nazaré e S. Martinho com os meus pais e irmão no carocha foram tão bons para o paladar como maus para os dentes… Mais tarde o Pão de ló de Alfeizerão esteve presente em momentos de aniversário de profunda emoção.
Batatas com bacalhau e colorau, e o Strudele de maçã e canela são o que me lembro do tempo do Seminário. O resto resume-se a empadão…
Os Lanches que começaram com a tia Ana Bessa na Foz do Arelho e continuam na Estefânia com a tia Lurdes foram e são iniciativas das minhas freguesas que me serviram de lanche e jantar muitas vezes. Agradeço muito a elas e todas as outras que me tratam com tanta estima.
Favas, castanhas e açorda são três das coisas que mais gosto. Coisinhas leves! Um dia um o Zé e a Ju do Coto juntaram-nos para mim num prato ao jantar em sua casa. Uma loucura mas irrepetível.
Gelados de máquina do Gato Preto nas Caldas da Rainha, com companhia, em começo de verão é um ritual quase divino.
Cavacas e beijinhos das Caldas da Rainha são momentos e sabores de grande nostalgia. Todos os anos costumo pregar um Retiro em Fátima às viúvas das Caldas da Rainha. Elas ficam consoladas com as minhas pregações e eu com os beijinhos que elas me trazem!
Tablete de chocolate Ovomaltine é das tabletes o “top”. Pena que tenha desaparecido dos nossos supermercados.
Cerveja com groselha acompanhava as minhas refeições no tempo das Caldas da Rainha. Era motivo de protesto quando almoçava ou jantava fora, o facto de o restaurante não ter groselha.
Refresco de Rose da Sra. Viscondessa é hoje mais do que uma curiosidade ao sabor, é um dos condimentos de um momento mágico em que se confirma a refeição como um bom pretexto para encontros e conversas muito boas.
Sopa de cação é uma das minhas fixações quando viajo pelo Alentejo. Curioso! Há comidas que continuam a fazer sentido na sua região e na sua época.
Suco de goiaba e suco de cana-de-açúcar do Brasil recordam-me as viagens que fiz e ainda quero repetir àquelas paragens que são uma tentação de sabores.
Dióspiros e pêra abacate aparecem juntos para lembrar que foram duas frutas que aprendi tardiamente a gostar e que tenho ensinado muitos a apreciar.
Petit Gateaux com gelado, é uma das últimas descobertas e um bom pretexto para partilhar gostosos momentos de prazer com os amigos. 
O Menu Big Mac da Mcdonalds não poderia estar ausente. Muitas vezes tem sido o que mata a minha fome em dias de correria entre casamentos e baptizados.
Café com canela é uma das formas mais sublimes de encerrar uma refeição e uma boa conversa.
Muito mais haveria e espero que haja para partilhar no futuro. Para já me dou por satisfeito. Uma vez mais concluo que o essencial é simples.
Convosco e vosso,
P. Carlos Azevedo
P.S. Peço desculpa por muitas coisas vos passarem ao lado pois pertencem a um contexto. Contudo, fico disponível e agradecido se alguém quiser algum esclarecimento ou quiser partilhar algo deste texto comigo, ou até a sua própria lista de gostos. (pcarlosazevedo@gmail.com)

Monday, November 08, 2010

Arriscar é: não voltar a morrer

O céu e a ressurreição definitiva
é não voltar a morrer.
Vale a pena começar a imaginar como será
uma vida sem a morte sempre a cercar-nos
e a perseguir-nos...

Arriscar é: provar o amor

Se o amor não precisasse de ser provado Jesus não teria morrido na Cruz. Temos mesmo dar provas do nosso amor!