Vítima e Sacerdote
De manhã,
quando a lâmpada da noite se apaga…e a suave luz da aurora enche de ouro as cândidas corolas e os cálices dos lírios, eu me ergo e subo os degraus do Vosso Altar para - trémulo e comovido - celebrar o mistério do Vosso Amor profundo…
De manhã,
Quando eu ordeno omnipotente e Vós aniquilado como servo,em silêncio, desceis às minhas mãos…
Quando, Senhor, eu Vos imolo e Vos elevo e, rasgando o Vosso peito dolorido arranco, pulsando, o Coração para fazê-lo sangrando e, assim ferido uma migalha paupérrima de pão…
Quando reduzo um Deus três vezes forte à impotência, à última expressão,é que sois VÍTIMA e eu o sacerdote!
Mas, depois, dia afora,- quando eu desço a montanha sagrada para a luta,vou ao campo que me destes por partilha,na renúncia total absoluta,sangrar os meus pobres pés feridos nos trilhos que me deixastes, já marcados com o Vosso rastro divino e ensanguentado,sem ter, para os lábios ressequidos,outra fonte que a ferida gotejante que, de manhã, rasguei em Vosso peito…
Quando eu sinto o Vosso amor me devorando sem nunca Vos sentirdes satisfeito…
Quando, exausto, eu ergo a minha fronte buscando com ansiedade no horizonte,uma nesga iluminada do Infinito para matar a minha sede de mais luz eu não diviso, senão, os braços nus de uma cruz, em um cume de granito…
Quando, só, despojado, incompreendido,depois de ter dado sem medida,o suor… o sangue… e até a vida,eu sinto o Vosso golpe redentor,e sou - como sândalo - cortado e retalhado,para que, só Vós, Senhor,o aroma sintais do meu Amor…
E, à noite, quando chega a solidão,exausto… moído de cansaço e, olhando como o homem do fracasso,não recolho, entre espinhos - e misturado com o joio - senão o grão escasso do meu campo que só há de florescer e lourejar, depois que eu for lançado no túmulo - para ser o grão fecundo,é que estou - como homem consagrado lentamente… consumindo a Vossa morte!Estou sendo, Senhor, o Vosso PÃO,Vossa VÍTIMA e Vós o SACERDOTE.
(texto da Ir. Dutra)
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