Saturday, January 12, 2013

Arriscar é: pessoa


Num meio-dia de fim de primavera

Eu tive um sonho como uma fotografia

Eu vi Jesus Cristo voltar à terra.

Veio pela encosta de um monte.

E era a eterna criança, o Deus que faltava.

Tornando-se outra vez menino,

A correr e a rolar pela relva

E a arrancar flores para deitar fora.

E a rir de modo a ouvir-se de longe.

Tinha fugido do céu.

Era nosso demais para fingir desegunda pessoa da Trindade.

Um dia, que Deus estava dormindo

e que o Espírito Santo andava a voar

Ele foi até a caixa dos milagres e roubou três.

Com o primeiro, ele fez com que ninguém soubesse que ele tinha fugido.

Com o segundo, ele criou-se eternamente humano e menino.

E com o terceiro ele criou um Cristo
e o deixou pregado numa cruz que serve de modelo às outras.

Depois ele fugiu para o sol

e desceu pelo primeiro raio que apanhou.

Hoje ele vive comigo na minha aldeia

e mora na minha casa em meio ao outeiro.

É uma criança bonita, de riso e natural.

Atira pedra aos burros.

Rouba a fruta dos pomares.

E foge a chorar e a gritar com os cães.

...

Ele é apenas humano,

limpa o nariz com o braço direito,

chapina as possas d'água;
colhe as flores, gosta delas,

esquece-as.

E porque sabe que elas não gostam
e que toda a gente acha graça,

ele corre atrás das raparigas
que carregam as bilhas na cabeça e levanta-lhes as sáias.

A mim, ele me ensinou tudo.

Ensinou-me a olhar para as coisas.

Aponta-me todas as belezas que há nas flores.

E mostra-me como as pedras são engraçadas

quando a gente as tem nas mãos e olha devagar para elas.

Ensinou-me a gostar dos reis e dos que não são reis.

E tem pena de ouvir falar das guerras e dos comércios.

...

E eu o levo ao colo para minha casa.

Damo-nos tão bem na companhia de tudo

que nunca pensamos um no outro.

Mas vivemos juntos os dois

com um acordo íntimo,

como a mã0 direita e a esquerda.

Ao anoitecer, nós brincamos nas cinco pedrinhas do degrau da porta de casa.

Graves, como convêm a um deus e a um poeta.

É como se cada pedra fosse um universo

e fosse por isso um grande perigo deixá-la cair no chão.

Depois ele adormece.

E eu o deito na minha cama despindo-o lentamente

seguindo um ritual muito limpo, humano e materno até ele ficar nu.

E ele dorme dentro da minha alma.

Às vezes ele acorda de noite e brinca com os meus sonhos.

Vira uns de perna para o ar.

Põe uns encima dos outros.

E bate palmas sozinho sorrindo para o meu sono.

Quando eu morrer, filhinho, seja eu a criança, o mais pequeno.

Pega-me tu ao colo.

E leva-me para dentro da tua casa.

E deita-me na tua cama.

E conta-me histórias, caso eu acorde, para eu tornar a adormecer.

E dá-me os sonhos teus para eu brincar...


(Alberto Caeiro)

Arriscar é: provar o amor

Se o amor não precisasse de ser provado Jesus não teria morrido na Cruz. Temos mesmo dar provas do nosso amor!